sábado, 3 de janeiro de 2009

Areal Dourado - Parte I (12 Capítulos)

Naquele dia o céu estava escondido nas lágrimas dos seus olhos. Ele desaparecera enquanto ela se deleitara no areal dourado daquela praia longínqua. Não se apercebera de que ele já não permanecia ali e o mistério adensara-se com a vinda da polícia local. Estavam de férias há apenas três dias e tudo tinha decorrido dentro da normalidade. Ariana relembrava como chegara ali, como se conheceram e como, em apenas sete meses, ela desistira de tudo por Rudolfo. Deixara a família, o emprego e os amigos e entregara-se àquela paixão louca por alguém que conhecera na noite portuense. Depois dessa noite nunca mais tinha sido a mesma, era como se vivesse em outro planeta, outro mundo. Ariana e Rudolfo tinham unido os seus destinos e ali estavam nas praias de Cabo Verde a passar a lua-de-mel. Ele parecia ter-se evaporado naquele ar abafado ou então tinha-se entranhado na terra de cheiros inconfundíveis. Tinham almoçado na cabana e saíram rumo à praia, enquanto esperavam o guia que lhes ia mostrar a zona mais agreste. Ela sentara-se e Rudolfo tinha ido procurar o nativo. Sem se aperceber, ela adormecera e quando acordara já era hora do entardecer. Inicialmente, ainda meio ensonada tentava compreender o que se estava a passar. As horas foram passando e Rudolfo nunca mais aparecia e enquanto a polícia a interrogava Ariana relembrava a noite em que o conhecera. Estava no cais de Gaia quando ele se aproximou do seu grupo. Olharam-se e, nesse instante, compreenderam que se pertenciam. Depois...

Olharam-se mais do que uma vez. Sempre que se olhavam, era como se fosse a primeira vez, sempre com expressões diferentes. Vendo Ariana sozinha, Rudolfo ganhou coragem e foi ter com ela, quebrando o silêncio daquela noite. Começaram a falar, Numa conversa que durou horas, horas que pareceram minutos e minutos que para eles foram segundos. Falaram de assuntos que nenhum dos dois se lembra até então. Foi uma longa conversa que lhes soube a pouco. Iluminados pela luz da lua num cenário romântico, queriam ambos viver o sonho daquela noite. No momento da despedida, ambos pensavam que algo tinha ficado por dizer ou por fazer. Acabaram de se conhecer e já parecia que se conheciam há anos. No final, nenhum se arrependera do que tinha feito ou sentido.Para eles uma noite inesquecível. Para quem os visse, o casal perfeito. Não dormiram a pensar na pessoa que tinham conhecido. Queriam mais daquela noite, mas não muito depressa.Este pensamento foi interrompido com a voz do polícia, que deu uma triste notícia a Ariana dizendo-lhe que a polícia só pode investigar 48 horas depois de a pessoa desaparecer. Ariana tinha-se esquecido deste pormenor. Desesperada por não saber onde Rudolfo se tinha metido e por desconhecer o sucedido ao guia, frustrada pela perda de tempo da polícia local Ariana entrou em choque. De imediato foi levada para o hospital, onde deu entrada de urgência. No dia seguinte teve alta. Saiu pelo seu próprio pé. Mais calma, foi para a cabana, onde começou a pensar o que poderia ter acontecido. Depois…

Depois adormeceu. Estava ainda sob o efeito dos medicamentos e acabou por adormecer no meio da angústia e das lágrimas saudosas da presença do seu amado. Durante o sono sonhou. Sonhou com um homem cuja face não conseguia ver. Esse homem abraçava-a e Ariana sentia-se protegida, sentia um enorme conforto, ali, nos braços de um homem que não o seu. Esse misterioso sujeito agarrou-lhe na mão e, numa voz que só por si a seduzia, sussurrou-lhe ao ouvido: estou à tua espera… Assustada, Ariana acordou. Olhou à sua volta e a escuridão denunciava a noite. Sentia a sua respiração mais forte do que nunca e pensava naquele homem. Estava uma noite calma e Ariana foi andar à beira mar, sobre aquela areia fina e brilhante e por aquele mar que teimava em segui-la. Olhava a lua, lua cheia, a única fonte de luz presente naquele momento e pensava... Pensava como tudo na sua vida mudava sem pedir licença, autorização. Pensava em possíveis paradeiros de Rudolfo, mas sempre calma, como se esperasse uma resposta do mar. Uma voz, ao longe, começou a ouvir. O escuro não a deixava ver nada e por momentos ficou assustada. O seu ritmo cardíaco começou a aumentar, pensava em tudo ao mesmo tempo, até que a voz lhe suou a familiar. Escutou e do seu lado esquerdo avistou uma pessoa. Não conseguia identificar quem era, a noite não o permitia. Vinha do mar, andava de gatas e tinha um aspecto esfarrapado. Soltou um gemido mais forte e desde logo Ariana percebeu: era Rudolfo!!! Estava ensanguentado, cansado e desorientado. Ariana foi em seu auxilio, quanto mais depressa corria mais distante Rudolfo lhe parecia. Aproximou-se, abraçou-se a ele em desespero e numa tentativa de o aquecer. Não o podia arrastar para a cabana pelo seu peso e pela grande distancia que já havia. Adormeceram os dois, ali, onde só a Lua os via, ali, onde só o mar lhes fazia companhia, ali, onde só a areia os sentia. Pela manhã o sol tocou-lhes e...

4º Capítulo (FF)

Pela manhã o sol tocou-lhes e Ariana despertou! No início ainda pensou que tinha sonhado, mas ao ver Rudolfo ao seu lado naquele estado lastimável ficou apavorada. Tentou acordá-lo, todavia ele estava inconsciente e num acto desesperado ela começou a gritar. As pessoas começaram a aparecer como formigas a sair do formigueiro e o enfermeiro do aldeamento, onde se encontravam já providenciara transporte para o hospital mais perto. Apesar da temperatura elevada que se sentia já às 7 horas da manhã, Ariana tinha suores frios ao olhar o seu amado. Quando o levaram ela teve de ser amparada por quem se encontrava ao seu lado. Era uma mulher de uns cinquenta e poucos anos, talvez da idade da sua mãe, que a consolava e que a acompanhou ao hospital. Esta senhora de origem italiana vivia em Cabo Verde há perto de duas décadas. Ela tinha ido de férias numa fase má da sua vida e optara por ficar ali a reorganizar a sua vida. Dedicava-se à pintura e a outras actividades artesanais conjuntamente com o seu marido, um africano de gema. Nunca tivera filhos e ajudava jovens que procuravam encontrar um rumo na vida. Conhecer Giulia foi o suporte para Ariana enfrentar a triste realidade que estava a viver. O estado de saúde de Rudolfo era muito grave e as condições daquele hospital não eram as mais favoráveis para a sua reabilitação. O diagnóstico do médico era muito claro: Rudolfo estava em coma profundo e talvez nunca mais voltasse a acordar. O marido de Giulia, um homem de setenta anos, aconselhou Ariana a voltar a Portugal, mas ela permaneceu naquele paraíso que se transformara no seu maior pesadelo. Ela só queria saber o que tinha acontecido ao seu amado, quem lhe podia ter feito semelhante maldade. E onde estava o guia de que ninguém ouvira falar? Que mistérios envolviam o desaparecimento de Rudolfo e o motivo pelo qual se encontrava quase morto? Ao pensar em tudo isto, ao reviver os últimos meses da sua vida, Ariana percebia agora que nada sabia sobre o seu marido, nem o que ele fazia na vida nem de onde viera. Mesmo assim, ela depois de terminar a estadia na cabana, pediu ajuda a Giulia para arranjar uma casa para viver. Ela acreditava que Rudolfo poderia acordar a qualquer momento e contar tudo o que queria saber. Os dias foram passando e os meses também, Rudolfo continuava no seu sono profundo e Ariana...

5º Capítulo (ET)

Os dias foram passando e os meses também, Rudolfo continuava no seu sono profundo e Ariana com esperanças que ele acordasse. Sempre pensativa sobre o paradeiro do guia, Ariana decidiu começar a investigar sozinha, não sabia bem como ou o que fazer primeiro, por isso foi pedir ajuda à sua amiga Giulia. Uma grande amiga que fizera em Cabo Verde, que no meio de tanta infelicidade, Giulia é como se fosse um anjo, que aconselha e ajuda Ariana.Foi ter com Giulia ao seu atelier de pintura. Giulia pintava um quadro, um quadro que representava o sucedido naquela manhã em que se cruzaram. Com o mar, ondas fortes e robustas que passavam por cima de um casal, casal o qual representava Ariana e Rudolfo na praia com areia molhada no meio da pintura que chamava a atenção. Ao ver o que Giulia estava a pintar, Ariana ficou à porta de entrada, parada e assustada, pois lembrava-se do que se tinha passado e o que ela tinha sofrido. Giulia concentrada na sua pintura, nem deu pela presença de Ariana que a observava ao longe. Finalmente, Ariana ganhou coragem e foi ter com Giulia, interrompendo a sua pintura, e pedindo para falar com ela a sós, não comentando o quadro. Foram para uma salinha, onde Giulia se dedicava numa espécie de cultivo de bonsais. Bonsais não se cultivam, mas a expressão era esta, pois é uma actividade que Giulia faz com carinho, cuida deles como os filhos que nunca teve. Ariana estava encantada por ver tantos bonsais, bem aparados e tratados do género de árvores pequeninas. Despertando, voltou ao tema que a tinha levado lá, e contou a Giulia o que queria fazer, pois estava desesperada e cansada de não saber nada. E a polícia nada fazia, diziam sempre, “Estamos a tratar disso minha senhora, tem de ter paciência”. Ariana estava farta de esperar. E Giulia percebeu isso, dizendo-lhe que a ia ajudar no que fosse preciso. Neste momento entra na salinha um homem de cor negra, era o marido de Giulia. A primeira coisa que Giulia disse ao seu marido foi, “Ela vai investigar”. Num ar de quem não sabia o que estava a acontecer, Ariana seguiu o marido de Giulia, o qual tinha pedido que ela o fizesse. Levou-a á empresa que lhes tinha alugado a cabana. Sem saber o que estava lá a fazer, Ariana esperava que alguma coisa acontecesse. O marido da sua amiga, pediu ao responsável o livro de entradas e saídas de funcionários, o livro que todos os funcionários tinham de assinar quando entravam ao serviço e quando saiam, até mesmo os guias o tinham de fazer. Constava lá uma entrada sem saída de um tal Geovanni. Era ele o guia responsável pela volta de Ariana e Rudolfo. Ariana, quando se apercebeu o que estava lá a fazer, começou a pensar cada vez mais no que podia ter acontecido.Dentro desse pensamento, Ariana voltou a pensar que nada sabia de Rudolfo. Olhou os olhos do marido de Giulia como se fosse um obrigado, e voltou-lhe as costas, correndo para casa a chorar. Sempre a pensar em quem era Rudolfo. Chegou a casa, abalada, tomou um banho e foi-se deitar. No dia seguinte….

6º Capítulo (TT)

No dia seguinte o Sol anunciava o habitual dia de calor. Ariana acordou disposta a enfrentar aquela situação com ganas. Sentia apenas fragilidade com a distância e com a saudade que sentia dos seus pais, da sua irmã, dos seus amigos, da vida que deixara por uma ilusão ou... por uma mentira. O purificante banho da manhã foi interrompido pelo insistente toque do telemóvel. A mãe de Ariana, que já não tinha notícias de Cabo Verde há uma semana, resolvera ligar-lhe, também ela com saudades. Trocaram palavras que só elas podiam sentir e o momento de desligar foi como cortar o cordão umbilical de um recém-nascido. Foi visitar Rudolfo ao hospital. O seu estado era lastimável, mas nem por isso Ariana desistiu. Olhou-o com alguma frieza até, pois já não sabia o que ver naquela pessoa que mudara repentinamente tudo à sua volta. Ficou parada a vê-lo dormir na ponte que separa o seu espírito do seu corpo. Queria conseguir amá-lo tanto quanto aquele primeiro olhar os amou. Queria conseguir sentir a sua falta tanto quanto a que sentiu naquele primeiro dia. Mas naquele momento parecia que já nada fazia sentido, de Rudolfo só queria a verdade e nada mais. Decidiu voltar à empresa onde já havia estado com Godina, o marido de Giulia. No local estava o responsável da polícia, que tomou conta do caso, a falar com o director da empresa. Ariana estava farta de tanto segredo, parecia que todos sabiam algo menos ela, especialmente a polícia. E aqueles dois homens engravatados, juntos, a falar com cumplicidade e discretamente... Pareceram-lhe suspeitos. Ariana não compreendia o que o seu instinto lhe dizia, afinal, eram pessoas que supostamente a deviam ajudar. Tentou ouvir a conversa que pelos olhares e gestos parecia importante. Só conseguiu perceber o inspector a dizer "... temos que entregar a mercadoria e desta vez sem falhas! Não podemos correr o risco de perder mais um homem. Amanhã à meia-noite no local do costume...". Intrigada Ariana abandonou o local, compenetrada naquela conversa e nos acontecimentos dos últimos dias...

Enquanto caminhava pela estrada, quase deserta, tendo como rumo a casa de Giulia, ela recordava as palavras de Rudolfo quando decidiram casar. Esse momento estava gravado, de forma marcante, na mente de Ariana. Sentados numa das esplanadas do Cais de Gaia, numa noite do mês de Outubro, ele pedira-lhe para ela confiar sempre nele independentemente do que pudesse vir a acontecer. Nessa altura, ela tinha pensado que ele se referia a algo que dissesse respeito à sua família, pois Ariana nunca tinha conhecido nenhum elemento da mesma, nem no dia do casamento. Sempre que ela o questionava, sobre os seus familiares, ele desviava o assunto e dizia que uma grande tragédia os tinha afastado. Depois de um mês do sucedido a Rudolfo, Ariana pedira à sua irmã Camila que investigasse a vida passada do seu marido. A irmã era namorada de um advogado, ainda em início de carreira, que aceitara, prontamente, levar a investigação a fundo. Agora, passado todo este tempo, Pedro tinha finalmente conseguido resultados, embora pouco animadores e algo inesperados. Na realidade o cunhado de Camila talvez se chamasse Rogério ou Rodrigo, o que era certo é que tinha sido dado como morto aos cinco anos de idade. Toda a família tinha perecido num incêndio que consumira a casa onde moravam, mas o corpo dele nunca tinha sido encontrado. Como a explosão tinha sido muito violenta pensaram que as crianças tivessem ficado em pedaços, até porque apenas encontraram a mão esquerda de uma delas. O pai era um médico muito conceituado, naquela altura, estando envolvido num projecto de investigação na área da genética. A mãe dedicava-se à educação dos seus dois filhos gémeos, o Rogério e o Rodrigo, assessorava o marido nas suas pesquisas, redigindo relatórios e organizando toda a papelada. Pedro tinha descoberto tudo isto através das impressões digitais e do cabelo de Rudolfo, que Ariana lhe tinha enviado. O caso remontava a 1990 e tinha sido pouco divulgado, devido à pesquisa que o Dr. Almeida estava a realizar. A questão que se impunha era como tudo isto era possível? Se Rudolfo era uma dessas crianças como sobrevivera sozinho, sendo tão pequeno? Que mistério estava envolto naquele homem que estava deitado numa cama no hospital de Cabo Verde? Ariana sentia-se cada vez mais confusa e quase a enlouquecer. Quando despertou dos seus pensamentos estava prostrada, na relva do jardim, da casa da Giulia com esta a olhá-la fixamente. O seu olhar era estranho e denunciava mais do que queria. Giulia sabia como acabar com o sofrimento de Ariana, no entanto, preferiu calar a voz do coração.

Ariana saiu de casa de Giulia dirigindo-se à praia. Decidiu dar uma volta para se esquecer ou, pelo menos tentar, aquilo que se estava a passar. Veio-lhe à memória aquele pequeno diálogo que ouvira daqueles dois homens engravatados, falando de cargas, hora e local. Como já era tarde foi para casa, mas decidida que no dia seguinte iria investigar mais qualquer coisa na praia. Na manhã seguinte levantou-se, tomou o seu banho, o seu pequeno-almoço e saiu de casa. Foi ao local em que se tinha separado do seu marido. Começou a pensar no pior possível, pensou que Rudolfo podia estar envolvido em tráfico de droga ou armas. Entretanto, Giulia estava muito inquieta em casa, sempre dum lado para o outro, não parava. Sabia que a verdade estava a vir ao de cima, e sabia que era preciso fazer algo para isso não acontecer. Sabia que Ariana não ia parar de investigar e procurar a verdade do que se tinha passado naquela noite. Na praia, Ariana andava pelo areal, mas não sabia o que procurava. Caminhava pela praia, a pensar em possíveis histórias e nas várias perguntas que se encontravam perdidas na sua mente. O que foi que aconteceu realmente naquela noite? Quem era realmente o seu marido? E o incêndio? O que foi que aconteceu em 1990? Foi caminhando, sempre pensativa, sobre a sua vida. Repentinamente, Ariana ouviu gritos vindos detrás de um penedo que estava à sua frente. Correu em auxílio de quem gritava, contornando o penedo. Encontrou um homem gravemente ferido, mas que ainda teve forças suficientes para pedir ajuda. Parecia que tinha sido apunhalado. De imediato ligou para o hospital, onde o marido estava internado, chamando uma ambulância que, passado pouco tempo, chegou ao local. Levaram o homem desconhecido, sem fazer quaisquer perguntas a Ariana. Ariana, vendo a ambulância desaparecer no horizonte, sentou-se no areal ainda em estado de choque, quando reparou numa carteira caída no meio da areia. Pertencia ao homem que ela encontrara aos gritos, devia ter caído quando os médicos e enfermeiros o carregaram para a ambulância. Pegou na carteira, abriu-a e vasculhou o seu interior. Estavam os documentos todos dele. Chamava-se David, um homem de barbas que aparentava ter mais idade da que tinha, pois as barbas envelheciam-no. Ariana levantou-se, guardou a carteira e foi para casa. Tomou um banho, para tirar as manchas de sangue com que ficara e preparou o jantar. Enquanto comia pensava nas palavras daquele homem, identificado como David. Ele, enquanto a agarrava, dizia: “Foram eles! Foram eles! Ajuda-me! Foge antes que eles voltem! Eles querem a mercadoria!”. Algumas das palavras do homem, já lhe eram familiares e, agora, estava à espera que ele recuperasse dos ferimentos, para lhe fazer perguntas e lhe entregar a sua carteira. No entanto, não parecia que aqueles ferimentos fossem sarar rapidamente. Foi-se deitar, já exausta, deixando a refeição a meio. No dia seguinte…

No dia seguinte o hospital foi o seu primeiro destino. O homem do penedo estava estabilizado e Ariana foi informada, pelo médico, que dentro de poucas horas David acordaria e depois de alguns exames poderia receber a sua visita. Os danos cerebrais eram piores que os físicos, mas Ariana sentia que estava perto de alguma resposta. Enquanto esperava que David acordasse foi visitar Rudolfo... ou Rogério... ou Rodrigo... já não sabia o que chamar ao homem, que com um olhar, mudara tudo na sua vida. Pegou-lhe na mão e mergulhou-a, carinhosamente, na face. Procurou os corais de palavras mais íntimos dos dois, viu as algas dançarem as músicas, que só eles entendiam, descobriu mares onde nunca tinha antes nadado. De repente... sentiu uma mão no seu ombro, olhou para trás e Giulia murmurou com sabedoria: "Eu sei, minha querida!". Ariana desviou o olhar e saiu do quarto. No corredor, o médico responsável pelo homem que aparecera no penedo, já a procurava para a informar que já poderia visitar David. Ariana esqueceu Giulia e Rudolfo, entrando no quarto do senhor. Este tinha um olhar verde e profundo, fixava intensamente o vazio e não dizia nada. A jovem estava tensa e sentou-se numa cadeira junto dele e apresentou-se, mas não sabia como abordar o assunto da noite anterior. Começou por dizer que tinha sido lamentável o que lhe aconteceu e aproveitou para devolver a carteira. David continuava a olhar no vazio e a escassez de palavras continuava. Ariana decidiu perguntar o que acontecera, o porquê daquela noite, contudo, ele começou a gritar: "Eu sou um Homem do Mar! Eles mentiram-me! Queriam matar-me, mas não conseguiram! Não!!! Porque eu sou um Homem do Mar e as minhas águas salvaram-me!". A jovem tentou acalmá-lo, pois ele parecia louco, dizendo-lhe que não estava ali para o assustar, mas sim para tentar perceber o que acontecera ao seu marido. David, um pouco mais calmo, pediu desculpa, agradeceu a carteira e o facto de Ariana o ter socorrido. Explicou que se envolvera com gente perigosa e que o raptaram para servir de exemplo aos "maiores" que não entregaram a "mercadoria". Levaram-no num navio para não ter oportunidade de fuga, mas ele preferira atirar-se ao mar do que morrer nas mãos de uns "tubarões". O mar havia salvado aquele pescador, aquele Homem do Mar. Ariana perguntou-lhe porque é que se envolvera com aquelas pessoas e o que era a mercadoria. O pescador declarou que estava farto de ter uma vida miserável. Não por ele, que se contentava com o que o mar lhe dava, mas sim pelo seu filho que sofrera um acidente e ficara paralítico. Precisava de cuidados especiais e as reformas, dele e da sua esposa, não davam para muito. Acrescentou ainda que não sabia o que era a mercadoria. Ele era um mero pombo-correio que ficara preso na gaiola do inimigo. Limitava-se a fazer entregas e recebia uma pequena quantia de dinheiro por isso. Foi nesse momento, que entrou a mulher do Homem do Mar pois havia sido contactada pelo hospital. Ela estava um pouco em pânico e Ariana deixou-os a sós. Despediu-se de David e saiu rumo ao aldeamento. Ariana estava muito confusa, mas, pelo menos, a hipótese de Rudolfo estar envolvido neste caso, era quase nula. A conversa que ouvira entre o empresário e o chefe das investigações, não parecia envolver o seu marido. Talvez David fosse o homem de quem os engravatados falavam. Mas, agora, continuavam a impor-se as mesmas perguntas. Por que é que Rudolfo desaparecera naquele dia? Por que é que aparecera naquela noite, daquela maneira? E principalmente: quem era ele? Se não era ele o homem da mercadoria, então o que acontecera de facto? Tudo voltava à estaca zero, tudo recomeçava. A noite já se estendia e Ariana deitou-se na cama. A cama de casal destinada para amar, tornara-se numa solidão. Fechou os olhos ao mundo, fechou os olhos às estrelas para se entregar à única magia que a confortava: o sonho! O dia acordou e Ariana despertou com ele. Foi a casa de Giulia pedir desculpa devido a, no dia anterior, quase ter fugido, mas sabia que ela escondia algo. Passaram a manhã juntas, perto do mar, a praia estava deserta e o mar calmo. Era o cenário perfeito e o momento ideal para Giulia contar...

Era o cenário perfeito e o momento ideal para Giulia contar o que sabia deste insólito caso. Na realidade, o seu nome verdadeiro era Giulia Almeida, irmã do Dr. Almeida, pai dos gémeos Rogério e Rodrigo, que tinham falecido em 1990 no incêndio da sua casa. Os irmãos Almeida eram filhos de uma italiana e de um português, mas só Rafael Almeida vivia em Portugal, pois casara com uma mulher nortenha e optara por este país, fugindo ao domínio da família. Giulia, após a tragédia que afectara o seu irmão, há 18 anos, partira para Cabo Verde na procura de uma nova vida. Queria recomeçar e esquecer o seu passado sempre marcado por acontecimentos trágicos. O seu avô materno pertencia a uma família mafiosa de Nápoles e ela nunca tinha conseguido escapar a esse karma. Quando a oportunidade surgiu, não pensou duas vezes e rumou para longe, mas não se pode fugir aos nossos fantasmas porque eles, mais cedo ou mais tarde, voltam para nos atormentar. Ariana ouvia e olhava para Giulia incrédula com aquelas revelações. De olhos sempre postos no horizonte, Giulia continuava a sua narrativa tão inesperada quanto inacreditável. Relatava situações que tinham ocorrido na sua infância, na sua adolescência e até na vida adulta. Tudo lhe parecia ser recordações de outra pessoa, que não tinha sido ela a vivenciá-las, apesar de estarem bem vivas na sua memória. Quando já nada mais podia surpreender Ariana, Giulia faz-lhe mais uma revelação extraordinária e impressionante que deixou Ariana sem fala e em estado de choque. O irmão não tinha apenas dois gémeos, mas três, o Rudolfo que era deficiente pois tinha tido uma paralisia cerebral à nascença. O Dr. Almeida dedicava-se à investigação para uma possível cura desta maleita. Este filho vivera sempre num hospital em Nápoles e era a tia, Giulia que o tinha ao seu cuidado, no entanto, na altura do incêndio Rudolfo tinha ocupado o lugar de Rodrigo na casa de Portugal para que o pai pudesse testar os tratamentos, no filho, que tinha desenvolvido ao nível dos estímulos do cérebro. Quisera o destino que a tragédia acontecesse naquele mês de Fevereiro e Giulia viu-se com uma criança saudável para tratar e que não podia regressar ao hospital onde estava internado. Ela tinha apenas 27 anos e não podia justificar aquela criança à família, temendo a reacção da mesma. Assim sendo, ela colocou o sobrinho num colégio interno em Nápoles e partiu para Cabo Verde. Rodrigo permaneceu no colégio até à idade de 18 anos e quando saiu já toda a família paterna tinha morrido e, então, ele recebera a chave da casa da família. Durante todos estes anos nunca tinha contactado directamente com a tia pois era apenas através de cartas que eles comunicavam. Neste momento, Ariana já parecia estar afogada nas suas lágrimas, mas ainda queria perceber o que se passara naquela noite em que ele desaparecera. Agora compreendia o motivo da escolha da lua-de-mel em Cabo Verde, ela queria ficar em terras de Portugal, contudo, ele fora tão insistente que ela acatara a decisão. Segundo Giulia, Rodrigo não sabia a sua verdadeira história, apenas tinha conhecimento de que os pais tinham perecido num acidente de viação em Roma. Muitas vezes, já na adolescência, ele narrava à tia flashs de outro menino, de uma casa grande e de uma língua diferente, mas Giulia tentava sempre desviar o assunto. Após ter saído do colégio, ele tinha ido estudar para Londres onde se formara em economia e se tornara num jovem empresário de sucesso. E, hoje, com apenas 23 anos administrava a fortuna da família. Na noite que desaparecera, Giovanni, o guia por ele contratado, tinha-o levado a casa da tia. Giulia quando abrira a porta foi como se tivesse visto o fantasma do seu irmão e, muito atrapalhada, levou-o para longe não fosse o marido chegar. Godina não sabia nada do seu passado e ela tinha um medo enorme dele, estava na sua dependência e a visita de Rodrigo podia colocá-la em perigo. Ela prometera ao sobrinho encontrarem-se no dia seguinte para conversarem, mas depois acontecera aquela desgraça. Godina nessa noite voltara tarde a casa, mas Giulia não sabia se ele os tinha visto ou ouvido alguma coisa, todavia ela desconfiava dele, até porque o guia também tinha desaparecido. Apesar de todas estas revelações, Ariana continuava inquieta e ainda mais desconfiada pois, para ela, Giulia ainda escondia mais alguma coisa. No momento em que lho ia perguntar, apareceu o marido de Giulia e a conversa acabou nesse momento. Ariana viu-os partir e à medida que eles se afastavam, ela ia remoendo frases, imagens que retera nos últimos meses. Repentinamente, fez-se alguma luz nos seus pensamentos, Ariana recordava algo que tinha visto no atelier da pintora que podia estar relacionado com o que tinha acontecido ao Homem do Mar, o David e, consequentemente, com Rudolfo... aliás Rodrigo! Este nome ainda não lhe entrara no ouvido. Ela esperava ansiosa a hora da visita no hospital para ver o seu marido e lhe falar sobre tudo o que a tia lhe contara. Talvez o ajudasse a sair daquele estado vegetativo... talvez!

O primeiro destino de Ariana no dia seguinte foi ir ao hospital. Ela queria desabafar com o seu marido, Rudolfo ou Rodrigo, mesmo que este não pudesse responder. Contou-lhe tudo, tudo o que ouvira da boca de Giulia e, Rodrigo ouviu também! Ariana passou a manhã toda no hospital, no quarto do seu príncipe adormecido, sentada à espera que, alguma forma de vida, se manifestasse no corpo dele. Ela saiu do quarto um pouco fraca, talvez por não ter tomado o pequeno-almoço. Passando pelo corredor em direcção à saída Ariana deparou-se com um homem todo engravatado, que seguia em direcção contrária à dela. Achou estranho, pois médico não podia ser devido ao seu fato e à sua postura, polícia também não, pois não era muito normal a policia aparecer no hospital sem avisar Ariana. Instintivamente Ariana seguiu em direcção à porta de saída, estava tão concentrada nos seus pensamentos que nem se deu ao trabalho de seguir aquele homem suspeito. Ao passar pela porta ouviu um “Olá menina. “ Com um sotaque africano, que a assustou e a acordou do seu pensamento. Era Godina, o marido de Giulia, que estava encostado a uma coluna que segurava a varanda principal daquela casa que servia de hospital. Ariana saltou para trás um bocado, olhou Godina e respondeu acenando e dizendo “Olá”, seguindo sempre o seu caminho de volta para casa, como se tivesse receio ou medo de Godina depois das declarações de Giulia.Recomposta do susto que teve e com os batimentos cardíacos normais, apercebeu-se que já não tinha fome. Dirigiu-se ao sítio de onde tinha mais recordações, foi para a praia, aquela praia que tinha tanto de bom como de mau, aquela praia que já contara os segredos todos e, onde muitos, ainda estariam para revelar. Sentou-se na areia macia a sentir o vento a bater-lhe no corpo, fazendo com que aqueles cabelos voassem como uma tocha acesa. Sentada na areia ouvia as ondas daquele mar, que tanto lhe tirara e tão pouco lhe dera, pensando no homem engravatado e na possível ligação com Godina. Para ela o maior suspeito era Godina, pois sentia algo negativo na presença dele e não conseguia arranjar uma explicação lógica para suspeitar dele, mas era algo que ela sentia. Além disso, a Giulia também lhe dissera que Godina chegara tarde a casa no dia em que Rodrigo e Geovanni, o guia desapareceram. Talvez isso ajudasse a perceber o porquê da tão forte suspeita. Já o sol se punha quando Ariana regressava a casa e pensava como estaria o seu marido depois de ela sair do sei lado. Pensava onde estaria Geovanni, porque ele era uma peça chave para resolver este enigma, pensava também o que foi que levara Godina a chegar mais tarde a casa. Além de haver sempre aquelas perguntas iniciais para as quais ainda não obtivera resposta. Ariana lembrou-se da pesquisa que pedira à irmã para fazer sobre Rudolfo, pesquisa essa que fornecera respostas surpreendentes. Pensou que se pedisse para investigar todos aqueles de quem suspeitava, conseguisse relacionar as respostas e descobrir o que tinha acontecido naquela noite. A primeira coisa que fez quando chegou a casa foi ligar para a irmã e matar saudades, estando ao telefone durante bastante tempo. No fim da conversa pediu que investigasse a Giulia Almeida e a sua família, Godina e David. Acrescentou que se fosse preciso mais informações ou apelidos que avisassem, mas Camila disse para ela não se preocupar que eles iam fazer todos os possíveis para descobrir alguma coisa. Mais descansada, mas ainda preocupada e intrigada veio-lhe ao pensamento o atelier de pintura de Giulia, havia algo naquele sitio que podia ter estar relacionado com o sucedido na noite fatídica. Ariana decidiu que tinha de descobrir o que poderia estar relacionado com essa noite e prometeu a si mesma que, no dia seguinte, ia investigar ao atelier. Antes de se deitar ligou para o hospital para saber de Rodrigo, não fosse aquele homem fazer-lhe algo de mal. Atenderam do lado de lá da linha e, Ariana, pediu por informações sobre o estado de saúde de Rodrigo, mas pediram-lhe que aguardasse enquanto iam verificar… Esteve bastante tempo à espera e, repentinamente, sentiu uns calafrios pelo corpo e começou a suar. Quando do outro lado responderam, Ariana encontrava-se desmaiada no chão com o telefone na mão, ouvindo-se uma voz a perguntar “Está? Tá aí alguém?”…

…mas Ariana estava inconsciente! Guilia, aproveitando o facto de Godina não estar em casa, decidira visitar a amiga. Ela tocava e batia à porta incessantemente, no entanto ninguém a abria. Não era costume Ariana estar fora de casa àquela hora e, por isso, começou a ficar preocupada e resolveu espreitar através da janela. Como esta se encontrava destrancada, ela abriu-a. Nesse instante, ouviu passos e sentiu um vulto passar, olhou para trás, mas a escuridão não a deixou ver nada nem ninguém. Não deu mais importância a este facto e voltou para junto da janela. Quando afastou a cortina deparou-se com Ariana desmaiada no chão da sala. A casa pequena e tipicamente baixa, permitiu-lhe entrar pela janela para socorrer a amiga. Retirou o telefone, que estava na sua mão, chamou uma ambulância e deitou-a no sofá. Enquanto estava desmaiada, Ariana sonhava. Sonhava com o homem que, há uns tempos atrás, lhe aparecera em outro sonho. Este homem tinha uma voz meiga e sedutora, que parecia vir do Além e, naquela visão, ele mostrava-lhe Portugal. Paisagens magníficas que Ariana já tinha visto, momentos que a jovem já vivenciara e pessoas que só ela conhecera. Depois, como se de um fantasma se tratasse, transportou-a ao hospital de Cabo Verde. Ariana viu Rodrigo! O misterioso sujeito, com o dedo indicador, pressionou levemente o coração de Ariana e esta sentiu um sufoco, uma dor acompanhada de um suspiro forte. Experimentou uma nova sensação que não sabia como descrevê-la. Apetecia-lhe chorar e quando se aproximou de Rodrigo para o beijar, em simultâneo, uma lágrima dela caiu na face dele. Ariana sentiu que o bailado dos seus lábios era correspondido. Assustou-se, mas deixou-se levar pela música que há muito não tocava. Quando abriu os olhos, um olhar quente e sereno esperava-a. Rodrigo tinha acordado! Deu-lhe a mão e limpou as lágrimas que Ariana derramara. O fantasma ou o anjo, aproximou-se da esposa de Rodrigo e, com um último toque mágico, Ariana encontrava-se, agora, na praia e ao longe via Guilia a caminhar em direcção ao mar. De início, a jovem pensava que Guilia se aproximava da água para meditar ou algo de género, mas ela não parava, continuava sempre, com as suas vestes brancas e largas ao vento, ela entrou no mar. Nesse momento, Ariana começou a correr no seu encalço perguntando-lhe o que estava ela a fazer, dizia-lhe para parar, mas ela não parava! Então, o Homem do Além informou-a: “Não adianta falares. Ela não te ouve!”. Ariana agarrou-o e disse: “Porquê? Porque é que me estás a fazer isto? Fá-la parar!”. O fantasma ou anjo, apenas acenou a cabeça em sinal de negação e Ariana não conseguiu socorrer Guilia que se entregou ao mar. Com um novo toque, ele levou-a novamente para o hospital. Desta vez quem Ariana viu naquela sala, naquela maca não foi Rodrigo, mas sim o seu próprio corpo. Ariana olhou o misterioso homem e perguntou-lhe quem era ele. O Homem do Além disse: “A tua viagem pelo passado, presente e futuro terminou. Eu sou um anjo, o TEU anjo!”. E depois desapareceu deixando para trás uma medalha com a inicial “A”. A jovem pegou na medalha e fechou os olhos, para assimilar os últimos acontecimentos. Quando voltou a abrir os olhos já estava deitada na cama do hospital com Guilia a olhá-la. Ariana perguntou-lhe por Rodrigo, Guilia sorriu-lhe e ela percebeu logo: “Ele acordou, não foi?”. Guilia confirmou a pergunta e, Ariana muito desesperada, agarrou-lhe a mão, pediu-lhe para ficar ali e para nunca a deixar. A pintora questionou-a sobre a razão daquele pedido tão inesperado, mas a única resposta que obteve foi o olhar de Ariana, que se detinha na única prova do que sonhara: o medalhão!

Sem comentários: